Espaço. Grande Espera. [1]
Em 1734, o imperador Jai Singh II concluiu a construção do observatório astronômico Jantar Mantar em Jaipur, na Índia. Apaixonado por matemática e astronomia, Jai Singh II criou instrumentos arquitetônicos que medem o tempo, as distâncias entre os corpos celestes, preveem eclipses, rastreiam a localização de constelações. Feitos de mármore, pedra e alvenaria, cada instrumento apresenta uma escala astronômica. Um grande relógio de Sol capta o movimento da sombra com a precisão de dois segundos. Esferas côncavas recortadas mapeiam imagens invertidas do céu, permitindo que o observador se desloque em seu interior para medir altitudes e declinações. "Jantar mantar" pode ser traduzido como "instrumento de cálculo".
Três séculos mais tarde, Carlota Mason olha para os instrumentos astronômicos de Jaipur por meio de registros fotográficos encontrados na Internet. Estando distante da Índia, a fotografia, desenho da luz, possibilita o acesso a esses instrumentos. A artista selecionou imagens de cinco deles e elaborou desenhos-recortes inspirados nas relações entre luz e sombra, cheio e vazio, dentro e fora que os dispositivos oferecem. Enquanto a arquitetura recorta a luz e projeta sombras para compreender seu caminho, Carlota recorta conglomerados de purpurina, construindo formas vazadas no fundo escuro brilhante.
O trabalho Jantar Mantar Jaipur se estende pelo painel da Galeria de Artes Fernanda Perracini Milani. Em frente a ele, está o conjunto Cinco últimos eclipses vistos da Terra, que dá nome à exposição. São cinco pinturas em pequenas dimensões realizadas a partir de fotografias dos últimos cinco eclipses totais que se fizeram visíveis em pontos diferentes do planeta. As pinturas são dispostas sobre cada coluna que se projeta da parede de tijolos brancos da Galeria. Estão acima de nossos olhos, é preciso levantar a cabeça para vê-las, olhar para cima.
Carlota pensa o espaço – o espaço das galáxias e das estrelas, o espaço arquitetônico e expositivo, o espaço do desenho e da pintura, além daquele que se abre quando visitamos uma exposição. Nosso corpo vivencia uma relação espaço-temporal com os trabalhos, temos de nos movimentar para vê-los, e esse movimento cria um percurso e uma duração. Há ar entre eles, silêncio, vazios que dilatam nossos passos e nosso tempo. Trajetos se cruzam. A iluminação zenital possibilitada pelas aberturas na cobertura da Galeria se altera ao longo do dia. As micro esferas espelhadas dos conglomerados de purpurina cintilam conforme nosso olhar se movimenta. A disposição das pinturas segue a ordem cronológica dos eclipses: Indonésia 09.mar.2016, EUA 21.ago.2017, Chile 02.jul.2019, Argentina 14.dez.2020, Antártida 04.dez.2021. Coordenadas de sombras. Entre cada uma delas, um mundo aconteceu.
Situações de espelhamentos se entrelaçam na exposição. O observatório de Jaipur espelha o céu. Os desenhos vazados de escadas se repetem nos pequenos degraus que ornamentam as colunas da Galeria. O recorte que corresponde ao instrumento Jai Prakash Yantra, um dispositivo duplo que se complementa, tem sua segunda parte exposta no nicho à frente, positivo e negativo. São relações que ora se completam, ora se contrapõem, como se as formas aplainadas dos desenhos e das pinturas reverberassem na arquitetura, os vazios ecoassem os cheios. Os pontilhados de purpurina espelhando o imenso Universo.
Em sua prática, Carlota busca se aproximar do distante. Em trabalhos anteriores como Lua Lupa (2016) e Eclipse Solar (2017), a artista lida com a imagem efêmera. Lua Lupa propõe uma captura da luz da Lua com ajuda de uma lupa. A Lua pode estar na palma da mão, para logo escapar e deixar-se ir. Eclipse Solar traz a transmissão em tempo real de um eclipse para dentro de uma sala de cinema. A lupa e o cinema se tornam dispositivos para captar eventos passageiros, oferecendo alguma visibilidade àquilo que é fugidio e impalpável. São proposições pautadas no presente de uma experiência singular que, quando terminam, se diluem na atmosfera. Já nos trabalhos apresentados nesta exposição, as imagens parecem se afirmar em sua materialidade e querer se fixar – nas superfícies, no tempo. As pinturas dos cinco eclipses são pequenos retratos de instantes, congelam o momento breve em que o círculo negro se desenha sobre o Sol. Os recortes são incisivos em seus vazios, irrompem no escuro pela ação do feixe de laser que corta as chapas de MDF. No jogo noturno entre o visível e o invisível, Carlota capta os rastros do céu e constrói um lugar para seus acontecimentos.
Espaço. Grande espera[1]. Como apreender o invisível, o transitório? Esperando. A luz dos astros passa anos a viajar antes de pousar em nossos olhos. Cabe a nós esperar por ela.
Selene Alge, outubro de 2022
[1] Primeiro verso do poema Em um lugar para fugir, de Alejandra Pizarnik.
In: Os trabalhos e as noites. Traduzido por Davis Diniz. Belo Horizonte: Relicário, 2018.

Texto realizado para o Ciclo de Exposições Centro Cultural São Paulo - 2009
Maravilha é uma palavra já há muito emaranhada em diversos significados. Uns jocosos ou singelos, outros ainda circunspectos. Cada um pode fazer o seu compêndio, aleatoriamente: 1. Maravilha é o nome de uma flor dos Andes que se espalhou pelo mundo todo.
2. “Meu maravilhoso” é o apelido caseiro de uma
pessoa querida. 3. Nos textos latinos, aparece freqüentemente associada às palavras confiteor e misericordia. 4. É a palavra que vem à cabeça quando vejo o trabalho de Carlota Mazon. Faz pensar naquelas “sensações deliciosas cujo vago não exclui a intensidade”. Faz lembrar esse ensinamento acertado: “o estudo do belo é um duelo em que o artista grita de temor antes de ser vencido” e pensar que, no meio tempo, esse estudo cria experiências em que é possível avistar a maravilha pela fresta da porta.
Fernanda Pitta

Texto referente ao trabalho Cercanía / 2008 . vídeo Rumos Artes Visuais – Trilhas do Desejo
O vídeo de Carlota Mazon nos permite inicialmente contemplar em segundo plano o silêncio de uma paisagem ao cair da tarde. Logo depois, percebemos a presença da artista que em primeiro plano começa a delinear o espaço entre os planos com uma fita metálica. Essa ação contínua chega ao extremo da anulação total do segundo plano interrompido por essa malha metálica. Curioso notar que esse mesmo objeto que anula a imagem acaba, através de seus reflexos, construindo outra daquilo que está por trás da câmera. Uma imagem distorcida nas ondulações e reentrâncias criadas pela própria fita, mas que mantém a mesma luminosidade e matizes cromáticos do entorno. Talvez esse rebatimento seja esclarecedor, se encarado como necessidade de discutir essas rugosidades do espaço. Concebido em confronto com a vida pública, para a artista, trata-se de compreender o comportamento e as formas de percepção que mudam de acordo com as diferentes estruturas do espaço, criando, com isso, aquilo que ela denomina como espaços "indefiníveis", que não são nem públicos, nem privados, mas "espaços entre". Nesta tênue linha limítrofe entre os espaços públicos e privados. Espaços de tensão, de
negociações possíveis e impossíveis.
Armando Queiroz
